Terra Sonâmbula
Fevereiro 01, 2017
Autor: Mia Couto
Editora: Leya (Colecção Bis)
Ano: 2008
Na década de 90, a guerra tomou conta de Moçambique. Famílias inteiras separadas, casas destruídas, aldeias pilhadas. A morte espalhada em cada esquina. Ao passar por um campo de deslocados, o velho Tuahir resgata da morte certa um rapazinho enfermiço a quem dá o nome de Muidinga. Caminham sem destino, para longe daquela desgraça, para bem longe daquela guerra até encontrarem um machimbombo (um autocarro) incendiado. Ali encontram um tecto para dormir, um ponto seguro para descansar. Afinal, "o que está queimado não volta a arder". A cada manhã saiam errantes em busca de comida, a cada noite voltavam ao abrigo do machimbombo. Noites essas cortadas da solidão e do silêncio pelos cadernos de Kindzu, um homem também ele marcado pela guerra.
"Nosso mundo de então era feito de miséria e fome. O que valia o amor, a amizade? O único valor, naqueles dias, é sobreviver. Muidinga, aliás, Kindzu, queria saber de felicidade; os outros queriam saber de comida. (pág. 156)
Duas histórias que se cruzam e misturam, às vezes nem conseguimos perceber se ouvimos Kindzu e seu pai Taímo ou se ainda continuamos dentro do machimbombo com Muidinga e Tuahir. Duas histórias contadas ao estilo africano, onde se misturam os duros factos da vida com as crenças antigas. Onde as imagens escritas parecem ganhar cores na mente de quem lê. Os tiros dos combates lá longe, o crepitar das ervas secas debaixo dos pés, o estalar da madeira na fogueira acesa todas as noites, o tilintar do apito de guarda comboios no bolso do velho Tuahir. E lá pelo meio das histórias, Mia Couto vai deixando pequenas brincadeiras com as palavras: sozinhar-me, me peixava, redemoníaca, desconsigo... Não são linhas fáceis. O tema é duro, angustiante; as palavras puxam os dialectos (as notas de rodapé ajudam a perceber mas cortam o ritmo). Mas são linhas importantes de ser lidas. Porque em qualquer guerra
"Qualquer coisa vai acontecer qualquer dia. E essa guerra vai acabar. A estrada já vai encher-se de gente, camiões. Como no tempo de antigamente." (pág. 13)