Cruzando o Caminho do Sol
Fevereiro 14, 2017
Autor: Corban Addison
Editora: Novo Conceito
Ano: 2012
"- Você não está aqui porque eu sinto prazer no comércio sexual. Você está aqui porque existem homens que gostam de pagar por sexo. Eu sou apenas o intermediário. Alguns homens de negócios vendem objetos. Outros vendem conhecimento. Eu vendo fantasias. É tudo a mesma coisa."
Eis o grande drama do mundo moderno. Haver humanos que acham normal fazer de outros humanos mercadoria e com isso comprar e vender vidas humanas a seu belo prazer.
Quando um Tsunami devasta a zona costeira da Índia, Sita e Ahalya Ghai, duas irmãs, são deixadas à sua sorte. Toda a família foi apanhada pela mortandade daquela onda. Na tentativa de alcançar a segurança do colégio de freiras de St. Mary, as irmãs acabam nas malhas do tráfico. Obrigadas a submeterem-se às perversões de quem paga por sexo, as meninas são atiradas para o mundo dos bordeis, dos clubes de striptease, da pornografia e da prostituição de luxo ou de rua. E se primeiro as duas meninas não entendiam o porquê daquela vida, depois resignaram-se.
"Uma beshya não podia esperar da vida nada além do ar em seus pulmões, água e comida em seu estômago, um teto sobre sua cabeça e a afeição daquelas como ela. Para sobreviver em um mundo como esse, ela teria que arrancar o coração do corpo. Não havia outra opção."
Já Thomas Clarke viu o tapete a fugir-lhe debaixo dos pés. Primeiro pela esposa que voltou para Mumbai após a morte da filha e depois pela sociedade de advogados em que trabalhava depois de perderem um caso altamente mediático. Colocado entre a espada e a parede, ingressa por um ano na ACES, em Mumbai, para ajudar a travar o tráfico humano na Índia.
Como não está editado em Portugal, a edição que li tem tradução do Brasil. Mas não foi entrave, as descrições horrendas das condições das raparigas são poderosas e horripilantes em qualquer língua. O asco por quem trata pessoas como animais da feira do gado passa para o leitor em qualquer língua. A sensação de desespero e medo de quem se vê privada da liberdade passa em qualquer língua. E mesmo a parte mais descritiva do texto relacionado com a Índia transparece de qualquer maneira para quem lê. O fedor das ruas mal limpas. Os escapes das centenas de motos, carros, autocarros, riquexás que serpenteiam perigosamente pelas ruas da cidade. E com o avançar da leitura, sentes que estás a levar um arraial de pancada emocional e cresce em ti uma onda de indignação face a tudo isto. Aos criminosos que dão a volta ao sistema para se safar, à sociedade que fecha os olhos para não se chatear muito.
Livros destes precisam existir para que se abram as mentes, que os vícios de milénios sejam abandonados, para que o humanismo não seja apenas uma palavra bonita para incluir em relatórios pomposos. Mas principalmente para que se restaure a fé que, uma pessoa de cada vez, se vai conseguir que pessoas deixem de comprar pessoas.