Uma Família Inglesa
Julho 05, 2017
Autor: Júlio Dinis
Editora: Editorial Comunicação
Ano:1985
Fruto das longas e prósperas relações comerciais entre Inglaterra e Portugal, o número de emigrantes vindos do país de Sua Majestade sempre foi elevado. A comunidade que se formou no Porto era uma das maiores do país e é dessa comunidade que faz parte uma das famílias que protagoniza este enredo.
Richard Whitestone é um exemplo perfeito do típico chefe de família inglês. Dono de uma conceituada firma de exportação situada na Rua dos Ingleses, viu-se viúvo muito cedo com dois filhos para criar. Carlos é o bon-vivant, o típico jovem irresponsável que presta pouca atenção às questões familiares, mais preocupado com as acesas discussões filosóficas à mesas dos cafés. Já a irmã, Jenny, assumiu o papel de dona da casa desde a morte da mãe. Muito ponderada e reservada, trabalha incansavelmente para colocar o irmão nas boas graças do pai. Para Mr. Whitestone trabalha Manuel Quintino, seu mais antigo guarda-livros. Também ele viúvo, Quintino é pai de Cecília, uma jovem menina muito próxima de Jenny.
Em plena noite de Carnaval, Carlos e os amigos percorrem alguns dos espaços nocturnos da cidade como o Café Águia d'Ouro ou o Café Guichard, onde vários bailes de Carnaval estão a acontecer. Num desses, Carlos cruza-se com uma misteriosa mascarada com quem entabula conversa a noite toda. Ao insistir em acompanha-la a casa, a mascarada cita o nome de Jenny e Carlos não descansa enquanto não descobre quem é ela.
"Mas o pensamento humano, quando deveras tomado por uma ideia fixa, em vão se esforça por arrancá-la de si; em vão se desvia para direcções diversas; como um pendor natural o faz voltar de novo a ela." (pág. 302)
Ao contrário de outros escritores da época que retratavam as velhas famílias aristocráticas decadentes ou criticavam os costumes demasiado burgueses da população ou a falência das instituições, Júlio Dinis tem uma visão mais "cor-de-rosa" daquilo que estaria para vir. Viviam-se tempos mais prósperos por isso, este preferia antes enaltecer a iniciativa dos empresários, os esforços dos empreendedores da época. Isso faz com que o texto não tenha um cunho tão realista, como se encontra facilmente em Eça de Queirós, mas antes um sentimento mais idealista. E não há história mais idealista do que aquela para que se inclina o enredo. A menina simples mas trabalhadora que cai nas graças do jovem abastado mas cujo romance sofre sempre uma série de entraves.
"Pelo contrário, ao declinar da tarde, entrava-lhe no coração a nostalgia doméstica: começava a odiar o escritório, a Rua dos Ingleses, o burburinho das praças, e a suspirar, como um expatriado, pela alegria do regresso; extasiava-se em ver de casa o astro do dia, e sumir-se no oceano; espectáculo magnífico ao qual da varanda da sala de jantar assistia com o prazer do espectador que de um camarote de frente presenceia a vista final de glória de um drama sacro." (pág. 199)
Júlio Dinis passa também para a narrativa uma extensa caracterização dos espaços físicos e sociais do Porto, desde as ruas mais comerciais, as zonas de boémia como os teatros ou os cafés na zona onde existe hoje a Praça da Batalha, a zona da Foz ou o bairro onde se concentravam a grande maioria das famílias inglesas que hoje corresponde à zona de Cedofeita. A título de exemplo, o Cemitério dos Ingleses e a Igreja Anglicana existem até aos dias de hoje e ficam junto à Maternidade baptizada precisamente com o nome de Júlio Dinis. Mas a principal mensagem que passa no livro vai de encontro aos cânones morais da época. O mais importante da vida é a família e que o trabalho e a dedicação a uma causa ou uma profissão são o bastante para a redenção de uma pessoa, tornando-a numa pessoa de bem.